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Feminismo jurídico: (des)conhecido e (des)necessário?

Pouca gente, dentre estudantes, docentes e/ou agentes do mundo jurídico, está familiarizada com as temáticas do campo dos estudos de gênero e feminismo. E quando o assunto é feminismo jurídico, vê-se que a familiaridade é ainda menor. Isto fica mais evidente quando propomos reflexões sobre o tema, uma vez que, invariavelmente, escutamos perguntas como: feminismo …

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Pouca gente, dentre estudantes, docentes e/ou agentes do mundo jurídico, está familiarizada com as temáticas do campo dos estudos de gênero e feminismo. E quando o assunto é feminismo jurídico, vê-se que a familiaridade é ainda menor. Isto fica mais evidente quando propomos reflexões sobre o tema, uma vez que, invariavelmente, escutamos perguntas como: feminismo jurídico? Isso existe? Para que serve? Mas as mulheres não já conquistaram a igualdade de gênero no texto constitucional? E por aí vai…

Apesar do mencionado espanto, que, na maioria das vezes, decorre mais do desconhecimento do que propriamente do desinteresse pela temática, pesquisas científicas desenvolvidas no campo das ciências sociais tem evidenciado não somente o fenômeno da violência contra as mulheres nos espaços público e privado, mas também as assimetrias de gênero no mundo do trabalho, a sub-representação feminina no mundo da política, a violência simbólica nos meios de comunicação e na mídia em geral, dentre outras que se alastram por todo o tecido social e demonstram o quão necessário se faz pensar e enfrentar as desigualdades de gênero ainda presentes e persistentes em nossa sociedade.

Diante da referida realidade, o mundo jurídico não pode ser dar ao luxo de ficar à parte deste debate, até porque o Direito trabalha com conceitos como igualdade, liberdade e justiça social, não lhe sendo facultado ficar alheio às injustiças sociais de nenhum tipo, e, muito menos, às relacionadas ao gênero, que chegam às portas dos tribunais através de ações diversas, mas que refletem a realidade e as demandas das mulheres pela concretização da tão decantada igualdade, prevista constitucionalmente.

Ademais, o universo jurídico também é constituído de pessoas que estão imersas não somente na cultura patriarcal – hegemônica em nosso país – mas também em relações desiguais de toda ordem, já que as assimetrias de gênero, raça e classe, dentre outras, também perpassam o Sistema de Justiça e incidem na práxis das funções  jurídicas, nas carreiras e em suas respectivas entidades de classe.

Destarte, e em breves palavras, poderíamos dizer que o feminismo jurídico é um campo de reflexão teórica e de prática jurídica feminista que se desenvolve em diversas partes do mundo, mas que se encontra em franca expansão na América Latina. Sua existência é fruto das inúmeras reflexões feministas acerca do fenômeno jurídico, que vai desde a crítica ao direito patriarcal, passando pela percepção de sua natureza gendrada[1], até a utilização estratégica das normas jurídicas vigentes com vistas à inclusão social das mulheres, à ampliação da cidadania feminina e, consequentemente, à igualdade entre os gêneros. Por isso, apesar de desconhecido, dizemos que é absolutamente necessário. Até porque, e sobretudo após o advento das leis 11.340/06 e 13.104/2015, conhecidas como Lei Maria da Penha e Lei do Feminicídio, tornou-se cada vez mais importante não somente conhecer, mas se apropriar das contribuições deste pensamento/movimento, vez que é praticamente impossível promover justiça para as mulheres, sobretudo as que se encontram em situação de violência, sem a devida incorporação das chamadas “lentes de gênero”.

A boa notícia é que temos notado um crescente interesse pela temática dos estudos de gênero e sua interface com o direito por parte das pessoas que atuam nas Varas e Juizados da Violência contra a mulher, haja vista que, sem esta compreensão, as Leis acima mencionadas podem  sofrer graves distorções no momento da sua aplicação ou, quem sabe (conforme já vimos em diversas ocasiões e há pesquisas que corroboram), o seu efeito ser até mesmo contraproducente, já que “insensibilidade de gênero” no caso concreto pode deixar a mulher demandante completamente desassistida ou assistida pela metade. Por isso, a aproximação entre os agentes jurídicos e as teorias feministas do direito é mais do que necessária, é vital para o bom desempenho de suas funções institucionais e para a efetiva promoção da justiça.

Em face disto, eventos, jornadas e cursos de capacitações tem sido muito demandados (e até mesmo organizados) por instituições e/ou profissionais do direito, cuja formação, como se sabe, costuma ser bastante deficitária no que tange às temáticas dos direitos humanos de um modo geral e dos direitos humanos das mulheres em particular, sem contar que a inexistência de abordagens que favoreçam à incorporação do enfoque de gênero na educação e na atuação jurídica, repercute negativamente na aplicação do direito e na promoção/distribuição da justiça.

Em nossas andanças pelo Brasil, temos participado de eventos e ações sobre temas correlatos ao que apresentamos neste artigo. Diversas instituições, públicas e privadas, tem promovido, ainda que timidamente, algumas reflexões sobre direito e diversidade social/sexual/racial, destacando o papel dos profissionais do direito e do próprio sistema de justiça na inclusão dos sujeitos historicamente discriminados. Todavia, as abordagens adotadas nem sempre estão em sintonia com os estudos (e avanços) produzidos pela teoria feminista do direito, também denominada pensamento jurídico feminista. Enquanto advogada, professora e pesquisadora feminista, tenho atuado[2] e publicado sobre o tema –  em prosa[3] ou em verso[4]  –  desde a década de 1990, apesar de também ter recebido uma formação jurídica pouco permeável ao assunto. Mesmo assim, ainda vejo o Direito (seja enquanto ciência, ordenamento e/ou sistema de justiça) como um campo bastante resistente às questões, reflexões e demandas que mobilizam o feminismo jurídico. O que é lamentável.

Visando enfrentar as mencionadas resistências e, sobretudo, contribuir para que as mencionadas carências sejam supridas, o grupo de pesquisa e ação denominado JUSFEMINA[5], do qual fazemos parte, tem desenvolvido reflexões teóricas e projetos de intervenção sobre gênero, direito e políticas para a igualdade, além de outras temáticas, estabelecendo diálogos interdisciplinares com profissionais de diversas áreas, sobretudo com autoridades e servidores da seara jurídica, com quem temos excelentes interlocuções. E é neste contexto que as aproximações entre academia, movimento social e universo jurídico tem se dado, tudo com vistas à uma melhor compreensão e efetiva promoção das valiosas contribuições do feminismo jurídico.

[1] Esta perspectiva entende que o direito, enquanto fenômeno social e cultural, é historicamente situado e fortemente influenciado pela forma como a sociedade percebe e organiza as relações entre homens e mulheres em dado momento e território, sendo, portanto, uma dentre as tantas “tecnologias do gênero”, ou seja, o direito tanto é produto como produtor do gênero e de suas relações.

[2] Desde 1995 desenvolvo uma advocacia voltada para os direitos das mulheres e da população lgbt, tendo me voltado para o mundo acadêmico e o campo científico visando contribuir com a educação jurídica  das futuras gerações de juristas, bem como das mulheres (juristas ou não) que podem e devem se apropriar desta campo como ferramenta de ampliação e concretização da igualdade de gênero.

[3] O mais recente artigo tem o seguinte título: “Feminismo Jurídico: uma introdução”, disponível em https://portalseer.ufba.br/index.php/cadgendiv/article/view/25806

[4] Publiquei o primeiro cordel feminista do Brasil em 1994, intitulado “Mulher consciência: nem violência nem opressão”. Este cordel teve sua segunda edição no ano 2000 e uma terceira em 2002. Disponível em http://cordelirando.blogspot.com/2009/01/os-numeros-de-violencia-tem-crescido.html

Outro cordel muito discutido tem sido o “Basta de Feminicídio. Disponível em http://cordelirando.blogspot.com/2014/07/basta-de-feminicidio.html l

[5] Coordenado por mim e pela doutora Sonia Jay Wright, tem como integrantes, em sua maioria, docentes e discentes do Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade, da Universidade Federal da Bahia, além de ativistas de direitos humanos de variados grupos sociais, pesquisadoras/es de outras instituições públicas e privadas, bem como mestrandas e doutorandas de diversos programas de pós-graduação.

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[1] Esta perspectiva entende que o direito, enquanto fenômeno social e cultural, é historicamente situado e fortemente influenciado pela forma como a sociedade percebe e organiza as relações entre homens e mulheres em dado momento e território, sendo, portanto, uma dentre as tantas “tecnologias do gênero”, ou seja, o direito tanto é produto como produtor do gênero e de suas relações.

[2] Desde 1995 desenvolvo uma advocacia voltada para os direitos das mulheres e da população lgbt, tendo me voltado para o mundo acadêmico e o campo científico visando contribuir com a educação jurídica  das futuras gerações de juristas, bem como das mulheres (juristas ou não) que podem e devem se apropriar desta campo como ferramenta de ampliação e concretização da igualdade de gênero.

[3] O mais recente artigo tem o seguinte título: “Feminismo Jurídico: uma introdução”, disponível em https://portalseer.ufba.br/index.php/cadgendiv/article/view/25806

[4] Publiquei o primeiro cordel feminista do Brasil em 1994, intitulado “Mulher consciência: nem violência nem opressão”. Este cordel teve sua segunda edição no ano 2000 e uma terceira em 2002. Disponível em http://cordelirando.blogspot.com/2009/01/os-numeros-de-violencia-tem-crescido.html

Outro cordel muito discutido tem sido o “Basta de Feminicídio. Disponível em http://cordelirando.blogspot.com/2014/07/basta-de-feminicidio.html l

[5] Coordenado por mim e pela doutora Sonia Jay Wright, tem como integrantes, em sua maioria, docentes e discentes do Bacharelado em Estudos de Gênero e Diversidade, da Universidade Federal da Bahia, além de ativistas de direitos humanos de variados grupos sociais, pesquisadoras/es de outras instituições públicas e privadas, bem como mestrandas e doutorandas de diversos programas de pós-graduação.

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