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Reforma da Previdência: "Estabelecer 65 anos como idade mínima é um crime contra a população brasileira", diz sociólogo

A Reforma da Previdência (PEC 287/16) continua sendo uma pedra no sapato do Governo Federal. Apesar da flexibilização de algumas regras do projeto inicial, das verbas liberadas pelo presidente Michel Temer para os parlamentares e da intensa propaganda feita, o Planalto não conseguiu convencer a população brasileira a aceitar a proposta e, consequentemente, ainda não obteve a quantidade de votos necessária para aprovar o texto.

 

Sociólogo Daniel Romero afirma que a previdência não é deficitária Foto: Caique Oliveira/Sintaj

O ano de 2018 é eleitoral e os deputados estão com medo de entrar em campanha carregando o peso de ter aprovado um projeto totalmente rejeitado pelo povo. Em março de 2017, ainda antes das mudanças em algumas regras, o sociólogo, pesquisador da previdência e professor do IFBA (Instituto Federal da Bahia), Daniel Romero concedeu uma entrevista para a Revista SINTAJ falando sobre os prejuízos que a norma traz aos trabalhadores brasileiros. Como a votação da PEC 287 está marcada para o dia 19 de fevereiro e, apesar das modificações, continua extremamente nociva ao trabalhador republicamos alguns trechos da conversa com Romero.

RV – Segundo informações do governo federal, em 2016 a previdência registrou um déficit de 149 bilhões e para esse ano a perspectiva é de 181 bilhões. No entanto, estudos comprovam que a previdência é superavitária, tendo um excedente de cerca de R$ 20 bilhões em 2015. Qual o motivo dessa contradição?

DR – A previdência não só não é deficitária, como é superavitária. A seguridade social tem sido superavitária por anos sucessivos. Quando o Brasil não estava em crise econômica, tínhamos um superávit de 70 a 80 bilhões de reais. Mas, recentemente, devido à crise, esse excedente está em torno de 20 a 25 bilhões. Porque o governo alega que existe um déficit, inclusive usando um tom dramático? Na hora de fazer o cálculo das receitas e despesas da previdência o governo exclui várias fontes de renda da seguridade social como, por exemplo, a CSLL [Contribuição Social sobre Lucro Líquido], o PIS [Programa de integração Social] e o Cofins [Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social]. Ao excluir essas fontes de financiamento, ele considera somente a contribuição patronal e a dos trabalhadores. Se fossem somente essas duas, de fato a previdência seria deficitária. Isso é uma manipulação grosseira.

RV – Isso implica dizer que mesmo quem não contribui devido ao trabalho de carteira assinada acaba contribuindo de outras formas com a previdência?

DR – Sim, há fontes de financiamento que não dependem da carteira assinada. Uma parte dos recursos da loteria vai para a previdência, uma parte dos tributos que estão incluídos na gasolina também. São fontes de financiamento bastante espraiadas e o governo as exclui na hora de falar sobre o suposto déficit. Infelizmente os governos anteriores reproduziram essa lógica. Os presidentes Lula, Dilma e Fernando Henrique mantiveram a mesma metodologia de avaliar um suposto déficit da previdência. É algo que virou senso comum, mas que não procede.

RS – Se o fato de não haver déficit é algo tão flagrante e nós já tivemos governos de várias correntes ideológicas porque até hoje nenhum deles expôs a real situação e assumiu que há um superávit na previdência?

DR – Aqueles que estão no poder não vão fazer isso. Claramente. Essa tarefa é nossa, dos movimentos sociais e dos trabalhadores. Os governos Lula e Dilma também fizeram reformas da previdência que foram muito prejudiciais aos trabalhadores. Embora a gente não possa falar que são todos iguais, no que se refere a maneira como se gere o orçamento público, e, em particular, o sistema da dívida esses quatro

governos, cada um à sua maneira, estabeleceu como prioridade o pagamento da dívida pública. A nenhum deles interessava falar que a previdência social poderia ampliar os direitos que já concede hoje, porque ela foi sempre utilizada para drenar recursos para o pagamento da dívida pública.

Sociólogo Daniel Romero Foto: Caique Oliveira/Sintaj

RS – Dentro dessa questão da idade, não deveria haver uma flexibilidade desta regra, considerando que há profissões insalubres em que o profissional aos 30 anos já está impedido de exercer qualquer função laboral e que a expectativa de vida em alguns estados é muito próxima de 65 anos?

 

DR – Eu acho que não deveria haver uma idade mínima para a aposentadoria. Isso é um erro. O governo tem alegado que isso está presente em vários países. De fato, está. Mas o que o governo tem proposto é uma idade mínima de padrão europeu. Na França a idade mínima é 65 anos. A gente vai se aposentar em uma idade padrão francesa morando no Brasil. Com a violência, a saúde e as condições brasileiras. Em alguns estados, como é o caso do Maranhão e do Piauí, a expectativa de vida da população é de 66, 67 anos, dependendo da situação. Se considerarmos esses dados em relação a localidade, gênero, condição racial, condições de trabalho, vamos ter vários grupos que têm uma expectativa de vida inferior a 65 anos. O governo está propondo um esquema que vai impedir que boa parte da população se aposente. Estabelecer 65 anos como idade mínima é um crime contra a população brasileira.

RS – De que forma o equilíbrio entre o envelhecimento da população e o saneamento das contas da seguridade social pode ser garantido hoje no Brasil?

DR – A primeira coisa é fazer a auditoria da dívida pública. Nós gastamos cerca de 45% do orçamento federal com juros e amortização da dívida e nós nunca fizemos uma auditoria sobre essas contas. Boa parte delas, inclusive, são secretas. É algo completamente absurdo. Tenho certeza que uma auditoria vai demonstrar que muitos desses títulos são dívidas que já foram pagas ou fraudulentas. Segunda é regulamentar o imposto sobre as grandes fortunas, o único presente na Constituição de 1988 que até hoje não foi regulamentado. No Brasil, o grande capital paga pouquíssimos impostos. Quem paga muito são os trabalhadores, a partir da sua folha de pagamento e a população de modo geral, através do consumo de produtos básicos. O terceiro aspecto fundamental é rever o conjunto das isenções fiscais. Nós temos muitas políticas de isenção fiscal, em particular na folha de pagamento, e isso onera as contas da previdência. Boa parte das empresas que receberam isenção fiscal são investigadas pela Lava Jato ou em outras operações sobre favorecimento a alguns políticos, como é o caso do Geddel e do Cunha. E, por fim, o combate à informalidade no mercado de trabalho.

RS – Os militares representam quase a metade do déficit da previdência, apesar de contribuírem menos do que os outros trabalhadores e terem regras especiais. No entanto, há uma pressão para que se igualem as normas das Forças Armadas as do restante dos trabalhadores nessa PEC. Você acha que o governo pode ceder nessa questão?

DR – Eu acho muito difícil. Na minha opinião o governo vai apresentar para os militares um regime previdenciário com regras diferentes do nosso. Isso acontecerá principalmente em função da pressão feita pelo alto comando das Forças Armadas. Também acho difícil que os políticos, parte do alto escalão do serviço público, em especial os juízes, não consigam regras diferenciadas. Pela relação que o governo vem desenvolvendo com esses setores eu duvido que ele vai querer manter as regras para esses três grupos de modo igual.

RS – Há alguma possibilidade de essa PEC ser barrada?

DR – Possibilidade há. Tudo é possível porque o Brasil está vivendo uma instabilidade política. Embora o governo e a imprensa estejam anunciando que a crise está passando e que agora o Brasil está tendo algum tipo de governo, isso é uma tentativa de criar uma estabilidade que efetivamente não existe. Nós temos os desdobramentos da Lava Jato e o governo está diretamente envolvido com esses casos. Ao mesmo tempo o cenário econômico é muito grave e não há perspectiva de melhora ainda em 2017. O que falta é os trabalhadores entrarem nesse cenário. Tem havido resistência, manifestações, mas elas não estão sendo suficientes. A única coisa que falta para que a gente faça com que a instabilidade política resulte em derrota para o governo é a mobilização popular, uma greve geral para poder virar o jogo.

 

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