Texto por Cris Azevedo/Fenajud
A advogada, especialista no tema, destaca que o problema é sistêmico, agravado pela omissão e conivência das instituições. De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. O Disque 100 registrou um aumento alarmante de 80% nas denúncias em 2024, em comparação ao mesmo período de 2023.
O Brasil celebra hoje, 21 de janeiro, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. É uma data para refletir, mais ainda para conscientizar e lutar por um país mais inclusivo e respeitoso com todas as formas de fé. Diante da importância do debate, a Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário nos Estados (Fenajud) conversou com a advogada Camila Garcez, candomblecista, mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), e membro da Comissão Especial de Combate à Intolerância Religiosa da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Bahia (OAB-BA), sobre os desafios e caminhos para enfrentar essa realidade.
A intolerância religiosa no Brasil tem se manifestado de forma alarmante, com registros de episódios que incluem destruição de templos, impedimentos à realização de cultos, discursos discriminatórios, agressões físicas e até assassinatos. Esses atos de ódio são registrados em números preocupantes: apenas entre janeiro e junho de 2024, o Disque 100, canal de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, registrou um aumento de mais de 80% nas denúncias de violações à liberdade religiosa em comparação ao mesmo período de 2023.
Para Garcez, o problema é sistêmico e agravado pela omissão e conivência das instituições. “Eu acredito que há uma equação inacabada. Porque nós vivemos períodos de perpetração de crimes de ódio chancelados pela alta cúpula do Governo anterior e essa horda só tem se multiplicado a cada dia. Em contrapartida, as pessoas têm sido encorajadas a denunciar as atrocidades, sobretudo por fanáticos religiosos que querem impor o seu segmento a todas as pessoas, desrespeitando a laicidade do Estado Brasileiro.”
“O papel da educação e da cultura é fundamental, mas não é tudo. Se a gente analisar, a maioria das pessoas podem vir a manifestar comportamentos preconceituosos, a partir de um juízo de valor sem fundamento sobre algo ou alguém. A partir do momento que essa pessoa acessa a cultura do outro ou se predispõe a conhecer, mas continua a reproduzir os mesmos comportamentos, passamos ao que podemos chamar de discriminação. Nos últimos tempos as pessoas que cometem racismo, não são leigas e iletradas, ao contrário”, ressalta Camila.
A Legislação
A advogada destaca ainda a importância da Lei 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas. Contudo, para ela, o maior desafio está na falta de fiscalização. “podemos colocar em prática a Lei que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para tornar obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira em todas as escolas do país. O trabalho é de base, mas não há fiscalização efetiva sobre isso”, conclui.
Apesar das garantias constitucionais, a especialista aponta que há uma desconexão entre a lei e sua aplicação prática. “O grande imbróglio não é o que está escrito, mas quem coloca em prática o que está constitucionalmente assegurado. Se um pai ou mãe de santo chega a uma delegacia comum para prestar ocorrência, não é bem recebido. Na verdade, é capaz de ser revitimizado. Esse mesmo cenário se repete em hospitais, aeroportos e tantos outros espaços. Então assim, o problema está no topo de uma pirâmide que tem a sua base sustentada pelo racismo. Nós tivemos o registro da primeira condenação em segunda instância por crime de intolerância religiosa aqui na Bahia, e o principal questionamento talvez seja: A primeira condenação aqui na Bahia foi em 2021 e somos hostilizados há séculos.”
Contribuições
“Há um histórico de perseguição e marginalização das religiões de matrizes africanas e esse racismo só tem atualizado as suas formas. Diuturnamente nós somos vilipendiados institucionalmente, seja quando barram a nossa entrada em locais públicos por conta das vestimentas, seja pelos impropérios que são proferidos aos praticantes da religião. No caso de mostrar a importância das religiões de matriz africana, eu sou pessimista, sabe? O Brasil é um país que vilipendia tudo que é de preto, desde sempre e foi construído por mãos negras, mas a sequela maio desse país é ver sangue de negros e negras jorrando sem qualquer tipo de ressentimento. Então eu não tenho esperança nesse reconhecimento.”
Assim, ela afirma que “A maior contribuição que os líderes religiosos podem dar, é não propagarem o racismo e o sexismo em seus discursos, em suas pregações para os fiéis. O fato é que nenhum templo religioso católico, pentecostal ou neopentecostal sofre esse tipo de retaliação, e esse é o melhor quadro de legalidade que nós podemos visualizar. Não é para acontecer. Deve ser realizado um trabalho de base pelos líderes religiosos, já que nesse caldo, as religiões de matriz africana vêm a ser o segmento político mais fragilizado”.
Compromisso da Fenajud
A Fenajud tem pontuado a importância da atuação efetiva do Poder Judiciário no combate à intolerância religiosa. Assim, destaca a promoção de capacitações para magistrados(as) e servidores(as) sobre direitos humanos e diversidade religiosa, além do aprimoramento do atendimento ao público, garantindo acolhimento humanizado e respeitoso às vítimas de discriminação. É fundamental agilizar o julgamento de casos relacionados à intolerância, aplicar punições rigorosas e criar canais acessíveis para denúncias.
A Federação tem reforçado em seus canais oficiais, nos últimos anos, a necessidade de ações concretas para erradicar a intolerância religiosa e conclama a sociedade a atuar em defesa de um país que respeite todas as crenças.
A data de 21 de janeiro, instituída em homenagem à yalorixá Mãe Gilda, é um marco importante para o fortalecimento dessa luta e para a construção de uma sociedade mais justa.