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Câmara fecha os olhos para a corrupção e salva Temer em nome da “economia”

Foto: Sergio Lima/PODER 360.

E, como era esperado, a Câmara dos Deputados salvou o pescoço de Michel Temer. A oposição não alcançou o número de 342 votos necessários para seu afastamento a fim de que seja julgado pelo Supremo Tribunal Federal pela denúncia de corrupção passiva. Foram 227 votos contra Temer, 263 a favor, 18 ausências e duas abstenções.

Ainda levaremos um tempo para calcular quanto isso nos custou. Porque o apoio dos deputados foi garantido graças a um rio de dinheiro público despejado pelo governo Temer na forma de emendas parlamentares. Além, é claro, da promessa de cargos no poder executivo federal e de apoio na aprovação de medidas e leis polêmicas, como as apresentadas pelas bancadas ruralista, da segurança pública e do fundamentalismo religioso.

Porém, uma mudança fundamental já foi notada. Nos segundos reservados para que cada deputado federal fosse ao microfone e declarasse o seu voto, as ”dedicatórias” foram diferentes daquelas proferidas na votação do impeachment de Dilma Rousseff, em abril do ano passado.

Saiu o Deus cristão e, no seu lugar, entrou o Deus-mercado – em nome do qual boa parte dos deputados salvou Temer.

O ”crescimento econômico”, o ”desenvolvimento do país”, a ”geração de empregos”, a ”situação financeira” foram elencados como razões para manter Temer onde está.

Transmitida ao vivo pela maior emissora do país, a TV Globo, e em horário nobre (graças à oposição, que conseguiu postergar o seu início), a votação demandou dos apoiadores do governo federal alguns contorcionismos linguísticos para não fazer feio junto ao eleitorado.

Como as imagens devem ser usadas por opositores no ano que vem durante as eleições, escolher desculpas convincentes para salvar um governo tão impopular fez-se necessário. De acordo com a última pesquisa CNI/Ibope, Temer conta com aprovação de apenas 5% da população – número inferior aos pisos alcançados por José Sarney (7%) e pela própria Dilma Rousseff (9%).

Não sabemos se elas irão colar. Afinal de contas, a instabilidade política gerada pelo impeachment de Dilma certamente piorou a crise econômica. Mas isso não levou a muitos daqueles que, hoje votaram por Temer, a ponderar o mesmo na análise da saída dela.

Outra justificativa com cara de ter sido distribuída no grupo de WhatsApp dos parlamentares governistas: ”esse voto não foi a favor da corrupção, pois defendo que Michel Temer seja julgado quando deixar a Presidência da República em janeiro de 2019”. O motivo é que, segundo os deputados que disseram isso, afastá-lo, neste momento, iria criar mais instabilidade ao país.

Claro que esse discurso também não sobrevive a uma análise mesmo vagabunda. Afinal, detectado um crime, uma pessoa deve receber um salvo-conduto até que tenha terminado uma tarefa que interesse a um grupo poderoso e, só então, ser julgada? Tanto que não aguardaram que Dilma fosse julgada apenas ao final de seu mandato, o que teria evitado turbulência.

A impressão é de que os nobres deputados acham que o eleitor é bobo ou incapaz de perceber que boa parte dessas justificativas encobrem posicionamentos partidários, ideológicos ou fisiológicos (nesse caso, o já citado comércio a céu aberto em que se transformou Brasília nas últimas semanas pela operação de salvamento do governo).

Além de Deus, durante a decisão sobre o impeachment de Dilma, muitos deputados federais também citaram o nome da esposa, da mãe, dos filhos, do gato pelado, em abril do ano passado. Teve quem fizesse versinho, quem elogiasse torturador da ditadura. Dessa vez, os familiares desapareceram e as participações foram mais comedidas.  Com exceção daqueles que já não se esperava muita coisa mesmo, como Wladimir Costa (sim, aquele que escreveu Temer em seu ombro direito). No impeachment, ele lançou confetes no plenário. Desta vez, o Homem da Tatuagem de Hena surtou ao microfone. E teve sincericídio, na figura do deputado Carlos Gaguim – que, ao votar pelo governo, pediu Temer levar recursos para o seu Tocantins.

É verdade que muitos que disseram sim para Temer fizeram isso de forma acanhada e constrangida. Outros faziam questão de citar apoio ao ”relatório do PSDB”, na CCJ, talvez para espezinhar os tucanos, que recomendaram voto contra. Mas houve quem defendesse o governo de forma orgulhosa, seja por que se considera em uma cruzada contra o ”comunismo”, ”a ideologia de gênero” e ”a venezuelização do Brasil”, seja porque defende a continuidade das reformas tocadas por Temer – que reduzem a proteção social dos trabalhadores para aumentam a competitividade de empresas e do mercado. Nesses casos, pelo menos, agiram por consciência. Seja que tipo de consciência for essa que exclui a ética na vida pública.

O que importa, contudo, é o resultado final. Apesar de 81% da população defender que Temer seja afastado e julgado por corrupção, segundo outra pesquisa Ibope, os deputados ignoraram o povo. Vão, dessa forma, ampliando o abismo entre eles e seus eleitores. Provando que são bons em representar seus interesses e o de seus patrocinadores e em pedir votos para desinformados a cada quatro anos.

Ambas as votações, contra Dilma e Temer, deveriam ser assistidas de forma obrigatória por todo o eleitor antes das próximas eleições. Seria extremamente didático mostrar quem são as pessoas que discutem e constroem as leis justas e injustas que todos nós iremos seguir. Isso, é claro, se muitos dos eleitores não sentirem total empatia com aquele grande teatro – afinal de contas, não podemos esquecer que jabuti não sobe sozinho em poste, nós os colocamos lá.

O problema é que se a percepção de perda de representatividade, de corrosão das instituições e de descrédito com a política continuar crescendo, esse clima pode abrir caminho para algum ”salvador da pátria”, que não precisa de partidos, e promete botar ordem na casa sozinho, com a rigidez e o carinho de um Grande Pai. Que irá governar com um Congresso Nacional que pode ser igual ou pior do que esse que está aí. E, juntos, nos levar para algum lugar novo, longe da democracia. Afinal de contas, como já disse aqui, no fundo do poço, há sempre um alçapão.

IMPRENSA/Blog do Sakamoto

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