por Cláudia Cardozo
A falta de diálogo foi o principal problema da gestão do desembargador Eserval Rocha, à frente da presidência do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), que se finda nesta segunda-feira (1º). Em entrevista ao Bahia Notícias, os sindicatos dos servidores do Poder Judiciário (Sintaj e Sinpojud) e a Associação dos Magistrados da Bahia (Amab), além da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), avaliaram os dois últimos anos do Tribunal de Justiça da Bahia, que foram marcados pela falta de diálogo, por uma intervenção do CNJ para descongestionar as varas de primeiro grau de Salvador, greve de servidores, inauguração de fóruns, instalações de varas, agregação de comarcas e uma tentativa de mudar o plano de cargos e salários dos servidores.
Falta de diálogo: A queixa vem do Sintaj, do Sinpojud, da Amab e da OAB. O coordenador do Sintaj, Antônio Jair, afirma que Eserval Rocha “estabeleceu uma ruptura com os servidores”. “Não participamos de absolutamente nada, a não ser das comissões obrigatórias, que é o comitê gestor instituído pelo CNJ, e que mesmo assim, não fez trabalho nenhum”, queixa-se. Segundo o sindicalista, o Sintaj fez diversas solicitações de informações sobre o orçamento e as finanças do tribunal para até mesmo ajudar a solucionar os problemas que a Corte enfrenta, mas elas sempre foram negadas. Antônio Jair ainda diz que o presidente tentou, de forma unilateral, impor um novo programa de cargos e salários dos servidores sem abrir o diálogo. “Jamais na história do tribunal os servidores tiveram que aceitar um plano feito de forma unilateral”, pontua. Para barrar a proposta, os sindicalistas buscaram a comissão de reforma para dizer que o argumento de que o novo plano traria uma economia de R$ 70 milhões era irreal, pois não havia prova de onde viria essa economia.
O presidente do Sinpojud, Zenildo Castro, também foi categórico ao afirmar que a gestão de Eserval Rocha foi uma das “piores da história do tribunal de Justiça da Bahia”. “Ele chega para a imprensa, para sociedade, e diz que priorizou a Justiça de primeiro grau, mas não é verdade. Se você visitar as comarcas do interior, você vai ver a situação em que se encontram os cartórios. A carência de servidores é muito grande. Ele realizou um concurso para 200 vagas, com uma carência de quatro mil vagas, para amenizar a situação do Judiciário na Bahia, sendo que, de vinte anos para cá, muitos servidores se aposentaram, e não houve reposição. Há uma grande demanda e não há preenchimento dessas vagas”, assevera. Zenildo também avalia a gestão do desembargador como uma “gestão fechada”. “Em momento nenhum ele atendeu as entidades de classe para discutir e apresentar as soluções para os problemas, como ele alega”, lembra.
A presidente da Amab, Marielza Brandão, avaliou que, “quando não se tem um canal de diálogo com as entidades, tudo fica difícil”. “Sem diálogo, fica difícil para que a própria administração possa buscar as soluções”, diz Marielza. Ela também concorda com as entidades sindicais de que a gestão de Eserval tomou decisões unilaterais. “As coisas foram feitas de forma unilateral, sem ter conhecimento profundo da situação, e muitas vezes, as soluções que foram encontradas não eram adequadas ao problema existente”, sugere.
Valorização da Justiça de primeiro grau: Para o Sintaj, a gestão de Eserval Rocha não valorizou a Justiça de primeiro grau. “Nós tivemos um esvaziamento no quadro de servidores e esse quadro não foi reposto, por problemas financeiros – que nós não sabemos detalhadamente quais, até porque não temos acessos”, destaca Antônio Jair. Segundo ele, o presidente disse que criou estrutura, mas os servidores ainda reclamam que não há condições para o trabalho. “Nós visitamos unidades do interior e da capital, e a gente não vê o mínimo de estrutura para o servidor trabalhar”, assevera.
Segundo Zenildo, Eserval Rocha alega problemas orçamentários para conseguir priorizar o primeiro grau, mas diz que ele “entra em contradição ao criar projetos que criam mais despesas para o tribunal”. “Ele mesmo criou a Câmara do Oeste, aumentou o número de desembargadores, aumentou o número de assessores de desembargadores, instalou varas sem ter magistrados, e nem servidores. Os magistrados já estão sobrecarregados, com uma grande demanda de processos para dar conta, como em Feira de Santana”, aponta. Para o gestor do Sinpojud, as resoluções do Conselho Nacional de Justiça 194 e 195, que obrigam os tribunais a priorizarem a Justiça de primeiro grau, são louváveis, mas diz que falta fiscalização pelo próprio CNJ para que elas se façam valer. Outra coisa apontada pelo diretor sindical é que reformar e construir fóruns e instalar varas não é priorizar a Justiça de primeiro grau. “Feira de Santana teve a reforma com servidores dentro, trabalhando. Isso é uma questão de respeito ao ser humano, que foram obrigados a procurar o Ministério do Trabalho para denunciar a situação, porque não tinha como trabalhar em meio a cimento, areia, poeira. As pessoas ficaram sem fala por conta da poeira”, relembra o diretor. O concurso realizado recentemente pelo tribunal também foi criticado pelo sindicalista, pois, segundo ele, alguns servidores dos 200 nomeados recentemente, “já foram para o segundo grau”, para atuar em gabinete de desembargadores. Para ele, o problema do TJ-BA foi mais de gestão do que de orçamento. “Os cartórios extrajudiciais, que estão sob a administração do TJ, estão abandonados, sucateados, não mandam material para os cartórios. O tribunal está ficando com a arrecadação desses cartórios, e o que arrecada utiliza para fazer obras para constar o nome dele. Ele se preocupa mais com a vaidade do que com a situação que se encontra o Judiciário”, reclama.
A Amab, na luta pela valorização do primeiro grau, chegou a encampar uma campanha para que fosse dada a justiça de primeiro acesso ao cidadão. Marielza diz que Eserval adotou atitudes para cumprir as resoluções 194 e 195 do CNJ, mas diz que “os atos no esforço de cumprir, não tinha a real noção da situação que nós estávamos atravessando”. “Estamos em uma situação mais difícil do que a do inicio da gestão dele. É muito mais grave do que quando se iniciou a gestão”, analisa. Marielza também vê com muita preocupação a inauguração e reforma de fóruns e instalação de varas. “Isso vai sobrecarregar mais ainda os juízes, e não vai resolver o problema que enfrentamos hoje. Não temos estrutura para trabalhar. Abrir unidades judiciárias não resolve o problema, é preciso ver qual a situação que está sendo enfrentada nas varas já instaladas. É preciso resolver os problemas já existentes, senão, você cria mais problemas nessa gestão que vai iniciar”, prevê.
Valorização do salário dos servidores: A falta de diálogo levou os sindicatos a deflagrarem uma greve no meio de 2015, por não haver sinalização da concessão do reajuste linear para repor a inflação, que já havia sido concedido pelos demais poderes. Jair afirma que, “pela primeira vez, um presidente do TJ-BA se portou da forma como ele se portou durante uma greve”. “Quando se trata de greve, o líder da entidade tem que procurar saber o que está acontecendo, ele tinha as agendas dele, e, em nenhum momento procurou saber o motivo da greve dos servidores. Ele disse que nossa greve era política, e não queria nem conceder a reposição salarial que os outros poderes concederam”, afirma. O sindicalista também lembra que o tribunal não quer julgar processos que visam acabar com alguns distorções salariais criadas na tabela de vencimento pelo próprio tribunal, e não quer cumprir a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que concede um reajuste de 18% aos servidores. Em contraponto, diz que o desembargador foi rápido ao cumprir a liminar do STF que estabeleceu o auxílio-moradia para os magistrados.
Zenildo também lembra que Eserval Rocha fechou o diálogo para conceder o reajuste linear e que diz para sociedade “que existe supersalários”. “Não existe supersalários. Tem alguns servidores que, ao longo desses anos, adquiriram algumas gratificações que hoje não passa de 35 servidores, e ele diz que existe para mais de dois mil servidores nessa situação. Não existe isso. Essas vantagens, se tirar hoje, volta amanhã, porque o próprio tribunal foi concedendo ao longo dos anos através de lei. Mas hoje não existe mais. Elas foram extintas”, explica. Outro medo, que segundo o sindicalista foi alastrado por Eserval, é com relação aos servidores sem concurso público. “Ele desconhece a realidade. São servidores que estavam trabalhando no tribunal antes da Constituição de 88, pois antes existiam dois regimes jurídicos, que é o celetista e o estatutário. Celetista é quem tem carteira assinada. A Constituição de 88 efetivou esses servidores, e o Estatuto dos Servidores de 94, deu a estabilidade. Ele fica tentando macular a imagem dos servidores”, explana.
Manifestação da OAB: O presidente da Ordem baiana, Luiz Viana, ao Bahia Notícias, afirmou que a gestão de Eserval Rocha “teve boas intenções com ineficiência na administração de pessoal e dos recursos orçamentários financeiros pela falta de capacidade de diálogo o que agravou a crise do Judiciário baiano”.
Imprensa/ Bahia Notícias