“Entre os limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal e o ato do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que impõe o pagamento da vantagem, coloca-se o administrador entre a cruz e a caldeirinha: haverá ele de escolher sofrer sanção do Tribunal de Contas da União ou da Corregedoria Nacional de Justiça pelo descumprimento de um ou outro comando.”
O alerta é da conselheira do CNJ Gisela Gondin Ramos. Ela votou contra a proposta de resolução para regulamentar o auxílio-moradia dos juízes de todo o País.
Gisela integra o colegiado pela cota da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Seu voto, uma peça de 22 páginas, é o mais duro libelo contra o benefício concedido à toga.
“O que o Conselho Nacional de Justiça fará é substituir o Tribunal para fixar despesa sem dotação orçamentária prévia”, ela advertiu, no dia 7, quando o CNJ colocou em votação a resolução. O resultado foi devastador, pela concessão da vantagem, 13 votos a 2 .
Ela bateu pesado. “O Poder Judiciário, que deveria ser o primeiro a prezar pela moralidade administrativa e pelo racional uso do dinheiro público, vacila quando ignora o comando da legislação de responsabilidade fiscal. Passa-se por cima do planejamento financeiro realizado pelos Tribunais da União e pelos Tribunais de Justiça dos Estados sem que, para isso, sequer tenham sido consultados.”
O tema auxílio-moradia dos juízes ganhou publicidade no dia 15 de setembro, quando o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar estendendo o benefício a todos os juízes federais do País que não possuem residência oficial na localidade em que trabalham.
No dia 7 de outubro, o CNJ regulamentou o benefício a todo o Judiciário brasileiro. Pela decisão do colegiado, criado em 2004 em emenda à Constituição, todos os membros da magistratura nacional têm direito a receber até R$ 4.377,73.
O CNJ determinou que todos os juízes passem a receber o auxílio-moradia, restringindo o benefício apenas ao juízes que possuírem residência oficial à disposição, ainda que não utilizem; aos inativos; licenciados sem receber o subsídio ou àqueles que já possuem em casa alguém que receba o mesmo benefício de qualquer órgão da administração pública.
Não há restrição para que juízes que possuem casa própria ou já residam no local onde trabalham recebam o benefício. Os números mais recentes do CNJ apontam a existência de um total de 16.429 magistrados no País.
Em seu voto, contrário à concessão do auxílio-moradia, a conselheira anotou que no Brasil, além do Supremo Tribunal Federal, há quatro Tribunais Superiores (Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, Superior Tribunal Militar e Tribunal Superior Eleitoral), cinco Tribunais Regionais Federais, vinte e sete Tribunais Regionais Eleitorais, vinte e quatro Tribunais Regionais do Trabalho, vinte e sete Tribunais de Justiça e três Tribunais de Justiça Militar.
“Somados, alcançamos a monta de noventa e um Tribunais no Brasil”, destaca Gisela Gondin Ramos. “De Roraima ao Rio Grande do Sul, da Paraíba a Amazonas, magistrados federais, estaduais, militares e trabalhistas enfrentam as mais distintas condições de trabalho, em regiões economicamente distintas entre si. Há a necessidade de se estabelecer, a priori, distinção entre a situação daquele que tem sua lotação temporariamente alterada em virtude de ato da Administração (juízes convocados) com aqueles cuja lotação é alterada definitivamente em virtude de remoção, promoção ou outra modalidade de alteração no local de prestação do serviço em caráter definitivo, que se dá, única e exclusivamente, no interesse do agente. Também aqui não há como equiparar situações intrinsecamente diferentes entre si.”
A conselheira argumenta, ainda. “Não se pode prescindir do comando constitucional, reiterada e ilegalmente ignorado ano a ano pelo Poder Executivo, que garante a revisão anual dos subsídios dos magistrados. Tal omissão inconstitucional não autoriza, no entanto, que medidas sejam adotadas ao arrepio da estrita legalidade para a concessão de um reajuste linear travestido de vantagem – vantagem, aliás, fixada no importe equivalente, hoje, a seis salários mínimos, ou mais do que a renda total auferida por 90,8% da população brasileira, segundo o Censo Demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).”
Gisela observou que não compete a ela “qualquer juízo de valor a respeito da justeza ou da pertinência do pagamento da parcela e de sua expressão pecuniária”. E finalizou. “Não compactuo é com a supressão de manifestação do Poder Legislativo a respeito desse tema.”
Imprensa/O Povo