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Reforma da previdência: Especialista fala tudo o que você precisa saber sobre ela (e o que a mídia não te conta)

O economista Eduardo Fagnani, especialista em Previdência Social, responde as principais dúvidas sobre a Reforma da Previdência e explica o impacto que ela causará na vida do trabalhador brasileiro se aprovada.

A Reforma da Previdência exigida pelo governo Temer está em pauta, porém poucos sabem o que de fato ela significa e sobre suas consequências se aplicada. Tampouco se comenta qual foi o resultado de reformas similares em outros países, como no Chile e no México. Afinal, essa reforma é realmente necessária como o governo alega? Como ficaria a aposentadoria dos trabalhadores, principalmente a das mulheres e a dos que trabalham no campo? As alternativas, como a previdência privada, são de fato alternativas ou beneficiam apenas o mercado financeiro? Quais os reais interesses por trás da Reforma da Previdência?

Para nos ajudar a compreendê-la, assim como suas implicações, entrevistamos um especialista no assunto, o Eduardo Fagnani, que é economista da USP, Professor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e do Trabalho (CESIT-IE-UNICAMP) e coordenador da rede Plataforma Política Social. Suas respostas certamente ajudarão todos aqueles que necessitam de um contraponto ao que a grande mídia, defensora da reforma, diz sobre ela. Confira-as e tire suas próprias conclusões sobre a Reforma da Previdência.

Economista Eduardo Fagnani. (Foto: João Miranda)
Vários analistas contestam o déficit da previdência apontando o superávit da seguridade social. Os defensores da proposta do governo alegam que esse raciocínio implica em subtrair recursos da saúde para a previdência. Esse argumento é correto?
 
Errado por duas razões. A primeira é que a Previdência tem fontes próprias de financiamento. Em 2015, por exemplo, dos R$ 436 bilhões gastos pela previdência, R$ 350 bilhões (80%) foi financiado por contribuições de empregados e empregadores. O tesouro nacional aportou apenas R$ 85 bilhões, tidos como “déficit” (observe que no mesmo ano, o Tesouro aportou R$ 503 bilhões para pagamento de juros).
 
Ao contrário da Previdência, a Saúde não tem contribuição específica de trabalhadores e empregadores. A segunda razão é que a maior parte dos gastos com Saúde vem dos governos estaduais e municipais, pois vigora, desde 1988, a corresponsabilidade compartilhada entre as instâncias federativas. Já o gasto do Regime Geral da Previdência Social é feito integralmente pela esfera federal.
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A diferença na expectativa de vida após a aposentadoria entre mulheres e homens é bem menor do que a diferença no total da expectativa, sendo que esta seria por causa da morte de homens jovens pela violência. Isso impacta no argumento do governo para igualar a idade entre os gêneros?
 
Sim. Isso é verdade. Mas, por outro lado, não se leva em conta as diversas faces das desigualdades entre homens e mulher no mercado de trabalho: menor salário, maior desemprego, dupla jornada, limites profissionais impostos pelo seu papel reprodutivo, entre outros aspectos. Esses fatos limitam o valor dos benefícios previdenciários e postergam a comprovação do tempo de contribuição.
 
Além disso, ao contrário de países mais igualitários, a ampla maioria da população não tem acesso a creches, escolas de ensino infantil, hospitais, postos de saúde, unidades de acompanhamento de idosos com doenças crônicas e degenerativas, transporte público rápido de qualidade etc.. Esse “déficit” da democracia é pago, preferencialmente, pelas mulheres. São elas que acabam assumindo os problemas associados à educação das crianças e ao cuidado dos idosos, por exemplo.
 
A sociedade machista impõe uma sobrecarga assimétrica às mulheres. Todos esses fatores limitam o trabalho contínuo da mulher e restringem a sua capacidade de contribuir durante 25 ou 49 anos para ter acesso à previdência, como quer a proposta do governo. Essa situação é ainda mais grave nas unidades da federação mais pobres, onde a informalidade atinge mais de 60% dos trabalhadores. E o que dizer da mulher que trabalha no campo?
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A proposta do governo lida com a grande discrepância de valor entre as carreiras e vencimentos no funcionalismo público?
 
Com relação ao servidor público é preciso dizer em alto e bom som que essa reforma (Regime Próprio de Providência Social – RPPS) já foi feita.
 
Ela começou com a Emenda Constitucional (EC) n. 20 de 1998; avançou com as Leis Complementares nos 108 e 109, de 29 de maio de 2001, seguida pela EC 41 (2003) e pela EC 47 (2005). Finalmente, após quase quinze anos de tramitação, ela foi concluída em 30 de abril de 2012, quando foi editada a LEI Nº 12.618, DE 30 DE ABRIL DE 2012, que autoriza a União autorizada a criar as seguintes entidades fechadas de previdência complementar, com a finalidade de administrar e executar planos de benefícios de caráter previdenciário:
 
a) Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo (Funpresp-Exe), para os servidores públicos titulares de cargo efetivo do Poder Executivo;
b) a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Legislativo (Funpresp-Leg), para os servidores públicos titulares de cargo efetivo do Poder Legislativo e do Tribunal de Contas da União e para os membros deste Tribunal;
c) a Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Judiciário (Funpresp-Jud), para os servidores públicos titulares de cargo efetivo e para os membros do Poder Judiciário, por meio de ato do Presidente do Supremo Tribunal Federal;
d) a Fundação de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Estaduais e Municipais.
 
O que isso significa? Significa que os servidores públicos dos Poderes Executivo federal, Judiciário e Legislativo admitidos a partir de abril de 2012 estão submetidos ao mesmo teto de benefício (cerca de R$ 5 mil) do trabalhador que se aposenta pelo INSS. Devem contribuir durante 35 anos. E vão se aposentar a partir de 2040 pelo teto. Se quiserem receber mais, têm de contribuir para a previdência complementar.
Portanto, ao contrário do que os ilusionistas do governo e do “mercado” dizem, as aposentadorias dos “marajás” acabaram para quem começou a trabalhar a partir de 2013. A questão para 2060 está resolvida. Pode-se ainda requerer alguns ajustes, mas são pontuais. Por exemplo, incluir os parlamentares e ampliar de 65/60 anos (homens/mulheres) a idade de aposentadoria dos servidores públicos, que têm estabilidade e, portanto, mais facilidade de comprovar 35/30 anos que o empregado do setor privado.
 
O problema é o “estoque” dos atuais beneficiários, que entraram no serviço público antes de 2013. Esses continuam a se aposentar com benefícios próximos aos dos salários da ativa. De novo: trata-se de problema tópico e localizado. Isso não requer nova reforma ampla geral e irrestrita. Basta impor regras de transição mais duras. E, daqui a 30, 40 anos o problema se reduz ou acaba, pois o servidor público não é imortal.
 
Em síntese, a questão no longo prazo (2060) já foi equacionada. O objetivo de reformas desse tipo é o longo prazo.
O que implicaria as propostas para Benefícios de Prestação Continuada às mulheres trabalhadoras rurais, que encontram mais dificuldade de comprovar atividade laboral e comercial em seu nome?
Uma crueldade sem precedentes.
Como se sabe, a PEC 287 unifica as regras para todos os segmentos: homens e mulheres, rurais e urbanos, trabalhadores privados e servidores públicos. Não é justo dar tratamento igual a desiguais.
No caso das desigualdades entre homens e mulheres, destaca-se que, ao eliminar o bônus concedido às mulheres no tempo de contribuição e idade de aposentadoria, os formuladores da reforma desconsideram as condições desfavoráveis enfrentadas por elas no mercado de trabalho e a dupla jornada que realizam, tendo em vista a quantidade de horas por semana dedicadas aos afazeres domésticos e ao cuidado com os filhos.
Ainda mais grave é a situação da mulher que trabalha no meio rural, submetida a rotinas penosas que interferem na saúde e reduzem sua capacidade produtiva prolongada e a própria expectativa de vida. Agora (caso passe a proposta do governo), a mulher no meio rural também deverá contribuir mensalmente durante 50 anos para ter aposentadoria integral aos 65 anos, apesar de ser altamente improvável que ela possa beneficiar-se da aposentadoria, em função das características da atividade rural.
No caso das desigualdades entre rural e urbano destaca-se que a reforma, além de acabar com o bônus de cinco anos da aposentadoria rural, impõe que pelas novas regras o trabalhador rural também deverá fazer contribuições mensais e individualizadas. Esse modelo contributivo conflita com os regimes de safras e a sazonalidade da produção rural e a maioria dos trabalhadores rurais não possuem renda disponível todos os meses para arcar com o encargo previdenciário. Nesse caso, como mencionado, não se exige contribuição mensal, mas um percentual sobre a produção da agricultura familiar [categoria regulamentada pela lei 11.326/06 ].
Outra injustiça é a elevação da carência mínima, de 65 para 70 anos, para a concessão do BPC a idosos socialmente mais vulneráveis (renda familiar per capita de ¼ do salário mínimo) e portadores de deficiências, que hoje beneficia mais 16 milhões de pessoas. Esse indivíduo, expulso do sistema, se chegar aos 70 anos, será condenado à pobreza extrema até que morra, pois receberá pensão inferior a um salário mínimo, de valor arbitrado pelo governo. O que esperar de uma democracia que deixa sem proteção os membros mais vulneráveis da sociedade?

Protesto contra o sistema de previdência privado no Chile (2016). País foi pioneiro na privatização da previdência.

Uma reforma similar ao que o governo quer para a previdência já foi aplicada em algum país? Se sim, qual foi o resultado?
Desta forma, eu não conheço.
Mas o objetivo é semelhante à privatização proposta pelo Banco Mundial desde os anos de 1990, com base no modelo chileno que privatizou o seu sistema em 1982 e hoje está sacudido por uma onda de protestos populares que exigem a reestatização do sistema, tendo em vista a ampla destituição de idosos.
Caminhamos para isso e para a “mexicanização” do país. Nos anos de 1990, o México implantou todas as reformas neoliberais exigidas pelo mercado, incluindo a previdenciária e a trabalhista. Hoje, por conta da elevada informalidade do mercado de trabalho, a maioria da população economicamente ativa não contribui para o sistema; como resultado, 77% dos idosos não têm cobertura previdenciária; e, a pobreza alcança 39% da população. Quer saber como será a questão social brasileira daqui a 20 anos? Estude e entenda o que está acontecendo no México.

Dizem que a Previdência Privada seria a opção ideal para o atual modelo. Isso procede? E quais as vantagens, desvantagens e riscos da previdência privada?

É o ideal do capitalismo nesta etapa de dominação das finanças globalizadas. A previdência é um mercado extremamente lucrativo. Isso é que move a Reforma.

Não é por acaso que a agenda do Secretário da Previdência tem sido disputada por banqueiros nacionais e internacionais. Vantagens? Para quem? Desvantagens? É capital de risco. Pode virar pó, como aconteceu com muitos fundos de previdência privada que aplicaram em títulos podres do mercado de hipotecas dos EUA.

Se tudo der certo, sobra pouco para o aplicador, pois a maior parte dos rendimentos é consumida pela taxa de administração dos bancos. É melhor abrir uma poupança, pois não tem taxa de administração e é isenta de imposto de renda. Além disso a previdência privada não cobre riscos como, por exemplo, invalidez ou outros eventos que incapacitem para o trabalho.

O que motiva o governo a impor essa reforma? Real necessidade ou pressão de grupos econômicos? Seria a Reforma, na verdade, um projeto elaborado para atender os interesses de uma minoria?

A famosa minoria dos 1% que detêm a riqueza global.

Querem expandir “negócios” com a previdência privada e recapturar os fundos públicos conquistados pela sociedade nos anos de 1970 que lutou pela redemocratização do país e pela cidadania social.

A proposta de reforma diferenciada que o governo propõe aos militares, que é mais vantajosa, é justa ou uma forma de evitar atritos com as Forças Armadas?

Necessariamente tem de ser diferenciada. A especificidade do trabalho do militar exige tratamento diferenciado.

A própria Constituição de 1988 trata separadamente a previdência do funcionário público (artigo 40) e a aposentadoria do militar (artigo 142).

Não há racionalidade em implantar um regime previdenciário único para todos: servidor público, militar, trabalhador da iniciativa privada, homens e mulheres, rurais e urbanos, assalariados e miseráveis. Não se pode tratar igualmente quem é desigual.

É justo que uma mulher trabalhadora da zona rural do Nordeste – que começa a trabalhar com 14 anos e vive em região que concentra mais de 70% da pobreza extrema do país – seja submetida as mesmas regras previdenciárias de um servidor do Poder Judiciário que tem estabilidade no emprego, estudou até 24 anos, recebe salário elevado, auxilio moradia, plano de saúde e ajuda para alimentação? Em que planeta vivem esses sábios que querem impor regra única em um dos países mais desiguais e heterogêneos do mundo?

Qual será o impacto da aplicação da Terceirização Irrestrita (e a “PJtização” em massa) na arrecadação da Previdência?

Dramático. Acabei de escrever um artigo sobre esse ponto advertindo que, combinadas, a reforma da Previdência (PEC 287/2016), a terceirização irrestrita recém-aprovada e a reforma trabalhista (Projeto de Lei 6.787/2016) que tramita no Congresso Nacional poderão quebrar o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e muitas Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC).

O caráter excludente da Reforma da Previdência deve desmotivar a adesão ao sistema público, expulsar atuais contribuintes e incentivar a migração para a Previdência privada.

Todas essas possibilidades terão consequências gravíssimas na quebra da arrecadação do RGPS, comprometendo a sobrevivência do sistema. Esse efeito da PEC 287 é explosivo, se combinado com a terceirização irrestrita recém-sancionada pela presidência da República. A queda da receita advém da transformação de um número grande de trabalhadores com carteira assinada em Pessoas Jurídicas ou Empreendedores Individuais, cujas alíquotas, incidentes sobre o valor mínimo, são 50% menores que as praticadas num vínculo trabalhista registrado em carteira.

Nas comparações internacionais que os economistas do governo fazem, ignora-se que a expectativa de vida saudável no Brasil é bem menor do que a de países ricos, além de significativas diferenças regionais. Quais os possíveis impactos sociais dessa negligência?

Uma explosão da desigualdade e da pobreza extrema.

Como alertamos no documento “Previdência: reformar para excluir?”, é uma impropriedade inspirar a reforma brasileira em modelos de países igualitários. Isso, porque há um abismo a separar o contexto histórico e as condições de vida daquelas nações e o contexto histórico e condições de vida vigentes no Brasil, sociedade com longo passado escravagista, de industrialização tardia e com incipiente experiência democrática; essas diferentes condições traduzem-se em profundas desigualdades e heterogeneidades socioeconômicas, demográficas e regionais:

• Nos países igualitários, o índice de GINI é inferior a 0,30; no Brasil, é 0,52; O PIB per Capita situa-se num patamar entre US$ 30 e US$ 61 mil; aqui, é de US$ 15 mil; o salário mínimo na Alemanha é cinco vezes maior que o brasileiro (1498 euros ou 8,84 por hora). [1][2]

• No Brasil, quase 50% da população ocupada exerce atividades informais, o que não se verifica na OCDE; a rotatividade do mercado de trabalho é elevada (50% dos trabalhadores brasileiros tinham menos de três anos no atual trabalho), na comparação com a Itália (20%), por exemplo. Na OCDE, os jovens entram no mercado de trabalho por volta de 24 anos; aqui, 45,9% dos homens urbanos e 78,2% dos homens rurais começam a trabalhar com até 14 anos.

• A expectativa de vida ao nascer no Brasil (75 anos) é mais de seis anos inferior à de muitos países da OCDE. No caso dos homens, ela é cerca de dez anos menor. O IBGE estima que o brasileiro só alcançará os parâmetros de nações da OCDE em 2060.

• No Brasil, a “expectativa de sobrevida aos 65 anos”, é três anos mais curta que a verificada em muitos países da OCDE.

• A “expectativa de duração da aposentadoria” aqui é cerca de oito anos inferior à verificada em alguns países desenvolvidos.

• Aqui, a “probabilidade de não atingir 65 anos de idade” é 37,3%; no Canadá, é de 9,3%.

• Estimativas da Organização Mundial da Saúde (2001) apontam que no Brasil a probabilidade de “vida sem saúde”, no caso dos homens (20,2%), era mais que o dobro da verificada na Itália (9,2%).

• A média de “anos de estudo” aqui (7,6 anos) é inferior a da Alemanha (12,9 anos), por exemplo.

• A taxa de mortalidade infantil (antes dos cinco anos) no Brasil (16,4 por mil) é mais de quatro vezes superior à de muitos países OCDE.

• A “expectativa de vida saudável” aqui (64 anos) é quase dez anos menor que a da Itália (73 anos).

• Atualmente, as doenças crônicas respondem por mais de 70% das causas de mortes no Brasil. Essas ocorrências geram incapacidades e limitação das pessoas em suas atividades de trabalho e, com o envelhecimento, espera-se significativo aumento da incidência dessas doenças.

A gravidade desse quadro intensifica-se ainda mais se olharmos essas desigualdades no contexto da heterogeneidade regional brasileira. A expectativa de vida ao nascer no Brasil (ambos os sexos) é de 75 anos. Mas em 18 Unidades da Federação ela é menor que a média nacional. No caso dos homens, em mais da metade das Unidades da Federação ela é inferior (66 e 71 anos) à média nacional (73,9 anos). Em 3.170 municípios a expectativa de vida é menor que a média nacional.

Dos 5.565 municípios brasileiros, apenas 0,8% tem IDH semelhante ao das nações da OCDE (“Muito Alto”) e 34% tem IDH próximo da média nacional (“Alto”). Os demais têm IDH “Médio” (40% do total), semelhante ao verificado em Botsuana e Iraque; “Baixo” (24,6%), padrão verificado no Congo e Nigéria; e “Muito Baixo” (o,5%), algo próximo do Senegal e Afeganistão.

De acordo com o IBGE, o envelhecimento da população brasileira deve acelerar nos próximos anos. Essa alteração no nosso perfil demográfico não torna alguma reforma da previdência necessária, mesmo que seja uma completamente distinta da proposta de reforma do governo? Se sim, quais são as suas sugestões para mudança no regime previdenciário?

Essa reforma excludente é justificada pelo terrorismo financeiro e demográfico. O objetivo é atemorizar a sociedade com base em argumentos questionáveis.

Um desses argumentos é que o envelhecimento da população é “bomba relógio” que vai explodir em 2060. E, portanto, não há alternativas a não ser suprimir os direitos previdenciários. É fato que a população está envelhecendo, e que o maior número de idosos pressionará as contas da previdência. Mas isso não implica aceitar o fatalismo demográfico e a ideia de que “não há alternativas”. Democracias desenvolvidas enfrentaram e superaram essa questão no século passado e não destruíram o seu sistema de proteção social. Por que o Brasil não pode enfrentar esse problema? Não temos capacidade de enfrentar um problema que acontecerá daqui a 40 anos? Então, para que serve o Ministério do Planejamento?

Essa visão terrorista diz que “não há alternativa”. Mas, isso é falso. Em 2050 teremos cerca de 50 milhões de idosos. Mas observe que hoje quase 50 milhões de trabalhadores tem emprego precário. Esses trabalhadores não contribuem para a previdência. Qual é a alternativa? A alternativa é incorporar esses 50 milhões de trabalhadores no mercado de trabalho com carteira assinada. Assim, eles passariam a contribuir para a previdência. E as receitas da contribuição desses 50 milhões de trabalhadores seriam suficientes para pagar a aposentadoria dos 50 milhões de idosos em 2050.

Para isso a economia precisa crescer. Portanto, o problema não é a demografia. O problema é a ausência de um modelo de desenvolvimento adequado às necessidades do país.
Além disso, o terrorismo demográfico baseia-se numa premissa falsa. A ideia de que com o envelhecimento um número menor trabalhadores ativos terá de financiar um número maior de aposentados tem por premissa que o financiamento da previdência dependeria unicamente da contribuição do trabalhador ativo. Essa premissa é falaciosa.

Nos regimes de Bem-Estar que inspiraram os constituintes de 1988, a previdência faz parte da Seguridade Social que é financiada não apenas pelo trabalhador ativo, mas também pelo empregador e pelo governo através de impostos pagos pelo conjunto da sociedade. Nesse “modelo tripartite”, os trabalhadores, os empregadores e o Estado são igualmente responsáveis pelo provimento das fontes de financiamento da Seguridade Social e da previdência social.

Em 2015, num conjunto de 15 países Europeus a participação média relativa das “contribuições do governo” no financiamento da Seguridade Social é de 45% do total. Os empregadores contribuíram com 34,6% e os trabalhadores ativos com apenas 18%. Inspirando-se nesse modelo, os constituintes de 1988 escreveram o artigo 194 e 195 da Constituição Federal que define a seguridade social e as fontes tripartites do seu financiamento. Também aqui, a previdência é financiada pelo governo, pelo empregador e pelo trabalhador.

Mas o maior equívoco é que esse indicador expressa relações produtivas características da Segunda Revolução Industrial. A Terceira Revolução Industrial automatizou os processos produtivos, eliminou postos de trabalho e ampliou os ganhos de produtividade. Mais graves serão os efeitos da Quarta Revolução Industrial liderada pela inteligência artificial, pela robótica, pela impressão 3D, pela nanotecnologia etc..

As chamadas “indústrias inteligentes” robotizadas empregam um número restrito de trabalhadores. Elas tendem a aprofundar o desemprego estrutural e corroer a base salarial. Assim, não é razoável fazer projetos para os próximos 40 anos, como se o cenário em 2060 fosse o mesmo que havia no mundo em 1960. No século 21, o desafio de financiar a previdência exige que os impostos deixem de incidir sobre a base salarial (que só diminui) e passem a incidir sobre a renda e riqueza financeira (que só aumenta).

Portanto, há alternativas que passam pelo crescimento da economia, pela reforma tributária e por outros mecanismos largamente utilizados por diversos países. Por que o governo, os economistas do “mercado” e os grandes meios de comunicação não querem o debate público, amplo e democrático sobre esse tema? Por que o governo quer fazer a “toque de caixa” uma reforma para enfrentar problemas demográficos que ocorrerão daqui a 40 anos?

IMPRENSA/Voyager

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